Se você viu os trailers de Colossal (2016, Nacho Vigalondo), não é difícil pensar que se trata de uma comédia absurda baseada em uma premissa ridícula: uma mulher com mais de 30 anos bebe e personifica, do outro lado do mundo, um monstro gigante que se materializa na cidade de Seul, na Coreia do Sul. Um filme que promete entregar algumas risadas bobas e animar uma tarde tediosa.
E o também filme é isso, mas vai além. Gloria (Anne Hathaway) é uma mulher desempregada há mais de um ano e que tem um claro problema com álcool – ela bebe, sofre de amnésia alcoólica e não parece estar em uma posição de muito controle sobre sua própria vida. Tim (Dan Stevens), o namorado com quem divide um apartamento, termina o relacionamento. Sem dinheiro e emprego, Gloria resolve voltar a sua cidade natal, onde descobre, após virar a noite em uma bebedeira despropositada, que é capaz de se transformar em um desastrado monstro gigante, mas na cidade de Seul.
A metáfora é óbvia. A dependência química leva alguém a cometer atos dos quais se arrepende enquanto sóbrias, prejudicando inúmeras pessoas inocentes. Acidentes envolvendo motoristas bêbados, pessoas que perdem o controle de seus atos e tantas outras histórias envolvendo excesso de bebida podem ser colocadas em paralelo.
O filme não cai em um dramalhão tragicômico, porém. Ao perceber o potencial destrutivo da sua condição… peculiar, Gloria reconhece seu problema com a bebida e resolve diminuir o consumo. No entanto, seu amigo de infância e atual empregador, Oscar (Jason Sudeikis), percebe que também tem “poderes” semelhantes, exceto que ele não é um monstro, mas um amigável robô gigante que se manifesta pelas ruas de Seul. Agora, dotado de poder (econômico e emocional), ele passa a exercer chantagens sobre sua amiga, ameaçando que se ela for embora, ele seguirá em uma caminhada destruidora a cada dia.
Os paralelos construídos através dos relacionamentos de Gloria, bem como as resoluções buscadas por ela, é que engrandecem o filme. A protagonista percebe que saiu de um primeiro relacionamento abusivo para entrar em outro – o ex-namorado vivia diminuindo suas escolhas, fazendo com que ela se sentisse menor do que era, e assim, era mais fácil manipular suas emoções. Quando ela começa a buscar seu próprio caminho, fora de seu alcance, Tim busca retomar o relacionamento, mas sempre através do controle da parceira.
O segundo relacionamento é ainda mais danoso. Oscar exerce controle econômico, aparenta arrependimento apenas para dispor de uma nova chance de controlá-la, e deixa claro que não é só na esfera de relações amorosas que o abuso pode acontecer: ao dispor de qualquer tipo de influência sobre outra pessoa, ele abusa da situação, e tudo gira em torno de seus sentimentos consigo mesmo.
Não se pode esquecer do cuidado na composição visual do filme. Um bar temático de faroeste é cenário para um duelo entre dois homens, personagens que falam da protagonista como se ela não estivesse lá (o que não passa batido); a inversão de valores, em que a criatura de aparência monstruosa busca proteger o ambiente urbano da ação do robô; além das várias pequenas referências aos filmes e tokusatsu envolvendo batalhas entre criaturas maiores que prédios e arranha-céus.
Embora o roteiro passe por cima dos meandros complicados de um relacionamento abusivo, ele não parece diminuir o problema, mas certamente o simplifica. Qualquer pessoa que esteve ou conhece alguém envolvido em relacionamentos dessa natureza pode notar a maneira simplória como ele lida com a questão: como se bastasse força de vontade e, sem ajuda, fosse possível resolver tudo sozinha, sem a ajuda de uma rede de apoio. No entanto, a maneira como a dinâmica de tais relacionamentos se constrói encontra um criativo paralelo na gramática visual utilizada pelo filme, que reflete a situação da personagem em vários momentos, empoderando-a e colocando-a no centro dos seus conflitos.