Essa análise é sobre a segunda temporada da série Jessica Jones. Você pode ler sobre a primeira temporada aqui.

Depois de um primeiro momento completamente focado na luta de superar um relacionamento abusivo, a segunda temporada de Jessica Jones encontra uma personagem ainda alquebrada, agora tendo que lidar com as consequências dos seus quinze minutos de fama como mulher super poderosa em Nova Iorque. E o que poderia ser uma jornada através de vários casos, com um quê de noir (como promete a abertura da série), acaba sendo mais um mergulho no passado de Jessica (Krysten Ritter), com tudo o de bom e ruim que isso acarreta.

Enquanto precisa lidar com a concorrência no ramo de investigação particular, Jessica tenta, sem muito sucesso, fazer sua irmã adotiva Trish (Rachel Taylor) parar suas investigações sobre a IGH. A ex-apresentadora infantil pretende descobrir os responsáveis pelos experimentos em Jessica, que resultaram em seus poderes, assim como o desaparecimento de Simpson (Wil Traval).

Essa premissa poderia abrir para o que já comentamos aqui anteriormente – um formato detetivesco, de casos isolados que vão preparando um plot maior, com um ou mais vilões atuando por debaixo dos panos. Afinal, é uma série, haveria tempo e espaço para isso. E os primeiros episódios quase prometem seguir por esse caminho, até que uma série de assassinatos faz Jessica e seus aliados chegarem a um outro fantasma do seu passado, mais precisamente, a culpa de sobrevivente.

Os meandros investigativos da série parecem simplórios para qualquer um que tenha maior contato com literatura policial. Não que tudo precise ser rocambolesco e complexo quanto um episódio de Sherlock, mas conseguir endereços de empresas há muito desativadas pelo Google é um tanto… elementar, minha cara. Alguns saltos de lógica são pouco explicados, e se não deixam nenhum furo, soam pouco acreditáveis. Além disso, a estética noir (que já desaparece depois dos primeiros episódios da primeira temporada) fica limitada a um uso ocasional de voice-over e aos eventuais planos revelando uma Nova Iorque pouco glorificada.

A humanidade de Jessica, destacada pela atuação de Ritter e pela química que ela consegue desenvolver com os outros atores da série é um pilar muito positivo dessa temporada. Se há qualquer coisa que a torna única em relação às outras séries de supers da Netflix, é exatamente isso. Jessica é uma alcoólatra, com problemas de controle de raiva, e que carrega consigo o peso todas as culpas do mundo, tornando-a uma misantropa agressiva: ela evita abrir-se porque não quer se sentir vulnerável mais uma vez, por acreditar-se incapaz de reconhecer relacionamentos positivos para si. Jones é uma personagem fascinante no universo de folhetim televisivo da Marvel, mas apesar da sua força, ela não consegue sustentar sozinha a série.

Os personagens coadjuvantes ganham mais espaço e arcos individuais nessa temporada, o que poderia ser positivo, se não debandassem para caminhos tão distintos. Jeri Hogarth (Carrie-Anne Moss), a advogada linha dura, flerta com a ideia de tornar-se uma pessoa melhor, mas o mundo real prova que baixar a guarda não é uma opção. No que está mais para um círculo do que um arco, a jornada da personagem parece levá-la a um lugar pouco diferente de onde começou. O fato de todos esses elementos não apresentarem nenhuma unidade temática com os outros arcos da temporada – o enfrentamento de fantasmas do passado – não melhora o resultado final.

Na outra ponta balança da vida de Jessica, temos Trish Walker, vendo-se obrigada a revisitar sua problemática relação com a mãe. Há aqui maior correlação temática – a jornalista se vê obrigada a revisitar os traumas familiares, suas características pouco nobres, bem como seu vício anterior em drogas. Porém, se a Jessica amargurada de Ritter parece verossímil, a Trish viciada em ser uma heroína não compartilha de destino semelhante.

A antagonista dessa temporada não tem metade do carisma e apelo assustador de Kilgrave (David Tennant). O reaparecimento do algoz no que é o melhor episódio dos treze, inclusive, é um dos pontos altos, tanto pela atuação quanto pelo seu papel simbólico: Jessica luta constantemente para se perceber diferente dos vilões que persegue, e sua segunda vitória sobre esse fantasma do passado é de grande importância. A detetive particular parece que, finalmente, poderá seguir em frente.

Não se pode deixar de notar, porém, que os três principais fios narrativos que se entrelaçam nessa temporada partem de três diferentes mulheres. Personagens escritas com diferentes motivações, longe de qualquer idealização, com conflitos que se localizam mais na parte cinzenta da moralidade.

Coerente com a proposta mais “pé no chão” e menos colorida, o final da temporada é agridoce. Jessica Jones recupera e explica de maneira interessante alguns símbolos icônicos da personagem – a jaqueta e as botas pretas, e em geral o visual meio punk rebelde – mas ainda falta uma identidade visual mais específica. Se apresenta algumas melhoras em relação à primeira temporada (como uma melhor estruturação de episódios mais auto-contidos, além de um ritmo melhor trabalhado), a série faz uma aposta insegura ao separar demais os núcleos de personagens. Até aqui, Jessica conseguiu, com esforço, segurar as pontas dos outros, mas será que consegue carregar a série inteira mais uma vez?