Eu, Allana de Lene, trago os reportes das aventuras nem sempre felizes do bruxo Geralt de Rivia, O Lobo Branco, caçador de monstros, homem que não crê nos deuses mas segue um código próprio de conduta. Contemos, hoje, como se deu a história do último desejo do bruxo…
O Último Desejo é o primeiro livro da série de publicações envolvendo Geralt de Rívia, escrito por Andrzej Sapkowski, e é um livro de contos sobre o protagonista de cabelos platinados Geralt, um bruxo. Os bruxos, uma organização de números muito baixos, são treinados desde muito cedo, submetidos a procedimentos mágicos e alquímicos para se tornarem resistentes a magia e algumas toxinas, e poder trabalhar como caçadores de monstros.
No cenário de O Último Desejo, a magia é uma força presente, mas não é cotidiana à maioria das pessoas. Existem profetas e pessoas que demonstram aptidões mágicas, mas a tecnologia não se deixa interferir pela magia, que ganha ares de superstição e normalmente é pintada com cores terríveis. Às vezes, com razão, visto que maldições são lançadas por feiticeiros, e consequências terríveis advêm dos atos daqueles que tentam interferir com ela de maneira descuidada. Assim, monstros, maldições a ser quebradas, feitiços a desfazer, são a rotina de trabalho de um bruxo.
E como qualquer ser que habite as fronteiras, bruxos são muito mal vistos pela sociedade. Como são capazes de feitos sobrehumanos, são temidos, e utilizados como ferramentas quando preciso. Por isso eles não costumam se meter em políticas entre reinos, ou mesmo problemas pessoais – ou deveriam. Não é bem esse o caso de Geralt, que não consegue se manter isento de uma boa parte dos problemas que testemunha em suas viagens.
Os contos que narram suas aventuras – O bruxo, Um grão de veracidade, O mal menor, Uma questão de preço, Os confins do mundo e o que intitula o livro, O último desejo – são alternados com interlúdios passados em um templo onde Geralt vai para se recuperar de ferimentos, chamados A voz da razão. Os contos não têm um fio condutor em comum além do próprio Geralt, e contam episódios diferentes de sua vida. Geralt reencontra seu amigo Jaskier (Dandelion “dente de leão” nos jogos; Jaskier quer dizer, em português, “botão-de-ouro”), e resolve partir do templo o quanto antes, apesar da insistência da sacerdotisa Neneke. Descobrimos, nessas conversas, o prenúncio de algo muito ruim prestes a acontecer. O mundo está mudando, “o sol já não brilha como antigamente”, e algo terrível se anuncia no horizonte. Há poucas maneiras mais eficientes de prender um leitor do que essa.
A narrativa de Andrzej é bem fluida. Rápida sem ser visceral, e ele não se faz de rogado em colocar seus personagens nas mais diferentes situações, desenvolvendo facetas diferentes e mostrando-os sob vários ângulos. Pelos olhos de Geralt conhecemos Yennifer, a feiticeira com a qual seu destino passa a ser traçado, e pelos olhos dele sabemos de alguns desfechos comoventes de suas histórias. Gosto de como o livro balanceia bem momentos mais dramáticos, de desenvolvimento de personagens, com figuras mais leves e divertidas como Jaskier, ou mesmo as respostas malcriadas e irônicas de Geralt.
Um ponto especial deve ser dado à descrição dos combates – coisa muito bem aproveitada pelos desenvolvedores dos jogos. A movimentação é bem descrita, oferecendo ótimas cenas de ação, e por vezes bem violentas e sujas. O épico encontra o mundano, e Geralt, personagem de fronteira entre a civilização e os meandros da magia, representa bem esse meio do caminho.
O livro também é recheado de referências a contos e lendas européias, coisa que ficou bem aproveitada no terceiro jogo. O leitor mais atento poderá reconhecer histórias como Branca de Neve e A Bela e a Fera, com abordagens mais apropriadas à proposta da história. E em quase todas elas, permanece aquele gosto agridoce de ambiguidade moral.
O Último desejo é um livro que vale a pena conferir para vários públicos. Leitores de fantasia devem apreciar, e jogadores que querem se aprofundar no universo do jogo certamente vão aproveitar a leitura.