Atenção: o texto possui spoilers sobre seu antecessor, o jogo Life is Strange. Recomendamos (e muito) que o jogue antes de continuar a leitura.

Como fã assíduo do primeiro Life is Strange, confesso ter ficado com medo do lançamento de Before the Storm. Além de estar sendo feito por uma outra desenvolvedora (acompanhada pela DONTNOD) e trazer uma nova dubladora para a Chloe por problemas internos, a história não prometia nada além do que já sabíamos e não haveria a possibilidade de voltar no tempo. Como seria possível que o resultado final fosse atrativo?

Começamos o primeiro episódio com uma Chloe mais jovem, sem os cabelos azuis e tendo que lidar com a recente perda do pai. Cheia de conflitos internos e usando drogas para esquecer os problemas, sabemos de início que a jornada não seria calma, principalmente por nos mostrar a relação que ela teve com Rachel, antes que ela fosse assassinada e dada como desaparecida – criando a trama do jogo original.

Episódio 1: Um problema atrás do outro

Mesmo conhecendo Chloe, é muito difícil criar um vínculo com ela desde o início de Before the Storm. Ainda assim, entramos de corpo e alma no universo de Life is Strange, com cenários conhecidos e familiares, uma trilha sonora fenomenal e animações de personagens um pouco travadas (dessa vez a sincronia labial está bem melhor, não incomodando durante todo o jogo). As falas também se mantém exageradas e, por vezes, completamente sem sentido perante as situações. Tudo do jeitinho que a gente gosta!

Andando ao redor, percebemos diversos detalhes que fazem a narrativa valer muito a pena. Pequenos bilhetes, anotações para outros personagens e textos escritos no diário de Chloe refletem os seus pensamentos em tornos dos últimos acontecimentos em sua vida. É possível encontrar até mesmo mensagens de SMS entre ela e Max, que a ignorava completamente em uma época tão difícil. Quem diria que passaríamos a ter raiva da protagonista do primeiro jogo?

A maior mudança, que confunde bastante durante todos os episódios, é o “poder” especial de Chloe: entrar em discussões acirradas com aqueles que impedirem o seu progresso de alguma forma. Para isso é preciso entrar em um tipo de minigame, em que respostas precisam ser ditas rapidamente e têm que fazer alguma conexão com o que foi dito pelo outro personagem. Por muitas vezes isso funciona: basta encontrar uma mesma palavra que tenha sido dita e que esteja em uma das respostas de Chloe, mas há momentos em que não é fornecida nenhuma pista. Somos obrigados a aceitar que muito depende de sorte, mas é um pouco frustrante não poder estar no controle.

Rachel realmente aparece na vida de Chloe de uma maneira curiosa. Talvez seja essa a maneira que os desenvolvedores tenham encontrado para mostrar que não é preciso ser parecido para criar e manter uma amizade: uma garota com problemas sociais e rebelde passando o seu tempo com uma aluna exemplar, filha de um político rico. E mesmo com todos os problemas que possam ser citados sobre construção de personagem, é muito legal que possamos ver o quão diferente uma pessoa pode ser depois que a conhecemos melhor.

É possível que muitos digam que, nessas três horas de gameplay, Before the Storm se passe mais como um filme interativo do que jogo. São pouquíssimas as mudanças narrativas baseadas em escolha, e não há muito o que pensar, bastando apenas seguir em frente em uma história praticamente linear. Dificilmente um jogador que não tenha passado pelo primeiro jogo consiga se sentir bem com essa prequel, que retira muitos dos elementos que consagraram o título e se torna uma obra feita para fãs. A maior parte do tempo será preenchida por exploração de cenário e leitura de textos para compreender mais sobre a trama, sem deixar muitas aberturas para momentos surpreendentes e que ofereçam desafios.

Nas últimas cenas do primeiro episódio, nos sentimos mais próximos de Chloe e Rachel. Ainda é difícil entender a cabeça de ambas, mas percebemos que há diversas possibilidades para explorar essa relação. A descoberta da sexualidade de ambas as personagens fica ainda mais evidente por aqui do que quando jogávamos com Max, deixando em nossas mãos a decisão de arriscar uma aproximação, mesmo sabendo que isso possa acabar com uma amizade tão recente – algo que é muito comum na vida de um homossexual, e que é extremamente importante de fazer com que um heterossexual possa vivenciar de alguma forma.

A sensação que fica após jogar é parecida com a de quando terminamos o primeiro episódio de Life is Strange. Tem muitas coisas legais, alguns problemas de gameplay e infinitas possibilidades de exploração em um roteiro que lida com situações da vida de muita gente. É realmente muito bom que os videogames consigam tratar de temas como o suicídio, o uso de drogas, a morte, o assédio, entre outros, e atingir diversos tipos de público. Com personagens cativantes e uma fotografia maravilhosa, esse é um conteúdo que funcionaria muito bem como filme ou série, e conseguimos aproveitar muito mais a aventura se estivermos com as expectativas corretas para ele.

Episódio 2: Um novo mundo

Enquanto buscávamos uma aproximação com Chloe e Rachel no episódio anterior, ela acontece em apenas alguns minutos de jogo na continuação. De início, vemos uma possibilidade maior de escolhas que podem afetar o futuro das duas, trazendo de volta alguns dos momentos famosos em que ficamos olhando para a tela sem saber o que fazer.

É curioso que, mesmo sabendo de alguns acontecimentos, lutamos para que ele não ocorra. Em Life is Strange, Chloe conta para Max que foi expulsa do colégio, mas tentamos o máximo para que isso não aconteça – sem sucesso. Ainda assim, ficamos com a sensação de que nós fomos os responsáveis por isso, trilhando o nosso próprio caminho.

Neste episódio, revisitamos vários cenários, como a escola, o ferro velho e os dormitórios masculinos. Há também a presença de muitos outros personagens, trazendo a sensação de nostalgia e nos fazendo pensar em diferentes atitudes por conta do final de Life is Strange. Victoria, por exemplo, continua sendo extremamente nojenta com quem não lhe convém, mas sabemos que ela tinha vários problemas internos por conta de Nathan e sua sociedade secreta com o professor, em que ambos abusavam de meninas e tiravam fotos desses momentos. Por sabermos disso, tentamos até não ser tão pesados com ela, apesar de haver opções que permitem o oposto. Realmente nos sentimos vivendo uma história nossa.

É uma pena que ainda haja alguns erros de narrativa e até mesmo na tradução e legendagem do jogo. Em um dos momentos, um dos personagens convida Chloe para sair de noite e, mesmo que neguemos o pedido, ele parece ignorar e se despede dizendo “te vejo de noite!”. Algumas legendas aparecem antes de as falas ocorrerem, sendo que as cenas finais do jogo ficaram com um texto preso na tela. Mesmo sendo detalhes, é um cuidado que a DONTNOD tinha, e que não é visto aqui.

Temos que reconhecer, entretanto, que a Deck Nine conseguiu trazer elementos completamente novos à trama. Há uma misteriosa mulher, que está envolvida de alguma forma com a vida de Rachel, e que continua aparecendo e interagindo com pessoas que não parecem ter qualquer ligação. E, mesmo sabendo que Rachel deverá desaparecer no final do terceiro episódio, não sabemos como e nem quando isso ocorrerá. No meio tempo, passamos por pesadelos, brigas, discussões e até mesmo uma apresentação no teatro (que mescla momentos engraçados com textos entediantes). Mas uma coisa é certa: será muito triste e difícil jogar e assistir a isso, já que a ligação entre Rachel e Chloe consegue ser ainda mais próxima que a que existe com Max no jogo principal.

Finalmente temos um final que faz a jogatina valer a pena. Terminamos angustiados, querendo saber o que vai acontecer e esperando que o próximo (e último) episódio seja lançado logo. Enquanto isso há pouco a ser feito, como a busca pelos lugares em que Chloe faz desenhos com grafites, que substituíram as fotos escondidas do jogo original. Os que compraram o jogo na pré-venda e/ou a edição Deluxe também têm acesso a diferentes roupas para a personagem durante a aventura, e podem ouvir as músicas na ordem que quiserem enquanto vêem um vídeo de Chloe deitada na cama, fumando.

Pelo menos, com o segundo episódio, a conexão com o jogador é feita. A prequel continua com a sensação de ser um filme interativo, e funciona melhor com os que jogaram o primeiro Life is Strange, mas deixamos de enxergar tantos defeitos e nos envolvemos na trama. Sentimos que o investimento valeu a pena, por fim.

Episódio 3: O que vem por aí

Diferentemente de Life is Strange, em que diversos pontos da trama nos faziam criar muitas teorias sobre o sumiço de Rachel e o final que Max teria com Chloe, Before the Storm nos deixa um livro aberto. Sabemos que Rachel será sequestrada pelo professor, assassinada e enterrada no ferro velho. Chloe pintará os cabelos de azul e ficará envolvida com traficantes, correndo risco de morte várias vezes. Max voltará para a cidade e se aproximará dela, e a história continua como sabemos.

Como a proposta de Before the Storm sempre foi trazer uma história que já sabíamos, é até curioso que tenhamos uma grande dúvida em sua narrativa, porém: quem é a mulher loira que é vista no parque por Chloe e Rachel? Ela tem mesmo um papel tão importante, que vá levar aos acontecimentos do primeiro jogo? Existe até mesmo a possibilidade de que ela retorne na continuação que está em desenvolvimento pela DONTNOD, dependendo da sua influência. Seria realmente inteligente que fizessem algo que converse entre os três jogos, criando uma trilogia completa e digna de ser lançada em um box no futuro.

Novamente, os que compraram a edição deluxe terão em mãos um capítulo especial, em que jogarão com a Max após o final de tudo. Pouco se sabe sobre ele até agora, mas é de se esperar que ele não seja de vital importância para a trama. Ele estará disponível para compra de modo separado, aos que se interessarem, então ninguém sai perdendo.

Até agora, essa é uma prequel que traz muitas sensações, e nos faz ficar ainda mais fãs da criação da DONTNOD. Ela poderia ter mais elementos que dificultassem o caminho do jogador, que se vê preso em uma constante sequência de explorar o cenário – dialogar – ler textos, mas mesmo sem isso consegue nos prender e fazer querer saber o que vem em sequência. É um alívio poder deixar algumas horas da vida de adulto para entrar na mente de uma adolescente rebelde, e enquanto Life is Strange conseguir fazer isso, continuará sendo uma das minhas séries de jogos favoritos da atualidade. A hella game!