Nos últimos dias muita gente se interessou por um site/aplicativo com nome esquisito: Sarahah. Sua proposta não é nada inovadora, mas ainda assim atraiu muitos curiosos que buscavam ali uma maneira de desabafar com o seu círculo social sem sofrer consequências: o anonimato.

É curioso de pensar a necessidade que o ser humano tem de poder se esconder por trás de suas próprias palavras. Hoje em dia isso se torna cada vez mais comum, mesmo que induza a todos os tipos de problemas possíveis, indo desde atos preconceituosos a ameaças reais. Isso parece exagero? Voltemos algumas décadas no tempo. Quando nossos pais eram jovens não havia internet, celulares e, muitas vezes, nem mesmo telefone. A comunicação era feita por cartas.

Já imaginou chegar em casa, pegar a sua correspondência e se deparar com uma carta anônima? Mesmo que o seu conteúdo não fosse agressivo, a polícia poderia ser envolvida, e o autor poderia ser indiciado por diversos crimes, inclusive perseguição. Mudamos tanto assim, nos últimos anos, para acreditar que esses atos podem ser normais? Aparentemente sim.

Cada vez mais buscamos a exposição de nossas vidas, extinguir nossa privacidade e buscar aprovação alheia. A expressão “mandar nudes” não se tornou uma brincadeira à toa, ela mostra que estamos cada vez mais adaptados ao sexo, entendendo que não é um tabu e fazendo com que corpos pelados sejam assuntos cada vez mais passageiros. Mas é uma época de transição, e exigir que todos pensem e ajam da mesma maneira é um ato agressivo. É aí que tantos preferem agir sem mostrar as caras, podendo utilizar a liberdade da internet para fazer e falar o que não conseguem na vida real.

Há alguns anos um aplicativo chamado Secret surgia da mesma maneira que o Sarahah. A sua proposta era criar uma rede social entre amigos, mas de modo que todos fossem anônimos. Não é à toa que ele foi banido do Brasil e de tantos outros países: milhares de usuários aproveitaram o espaço para fazer tudo o que queriam fazer, e não podiam. As postagens, que todos podiam ver, incluíam frases de preconceito, ataques a pessoas específicas e, por permitir fotos, diversas imagens de outras pessoas nuas, sem os seus consentimentos. Era uma verdadeira idade das pedras, sem qualquer tipo de regra e empatia.

Outros produtos surgiram e existem até hoje, permitindo que os usuários hajam de maneiras anônimas. Há sites de pergunta e resposta, comunidades secretas e até mesmo os que criam perfis falsos somente para atacarem pessoas e grupos.

Mesmo que a disponibilização do espaço não tenha tido esse objetivo, parece-me que é da natureza humana que façamos o errado. O Sarahah tem, como princípio, o envio de mensagens positivas e anônimas, para que o usuário tenha um feedback sobre como é visto por seus colegas. Resolvi experimentar para ver se isso seria feito, mesmo que já soubesse a resposta.

O Julgamento

Spoiler: me senti em um espaço horroroso. Na prática, é como se eu estivesse no meio de um tribunal, e o juíz estivesse vestindo uma enorme máscara, cobrindo o rosto. Li coisas que me surpreenderam (algumas positivamente). Aqui vão alguns exemplos:

É claro que apareceriam pedidos de nudes. Não porque eu seja bonito ou algo do tipo, acredito que todo mundo deve ter recebido ao menos uma mensagem dessas. O mais curioso nisso tudo é que, por ser anônimo, não há nem como saber se a frase é séria ou apenas uma brincadeira (até porque, mesmo que houvesse o meu interesse em enviar, não saberia para quem). Ou seja: além de não ser algo nem positivo ou negativo, não vai gerar consequências. Perda de tempo.

É claro que isso é uma brincadeira, e acabei descobrindo ser do Rodrigo Sanches, também do Bonus Stage. Mensagens assim também são padrões, já que amigos de verdade gostam mesmo é de tirar sarro. Momentos assim fazem, pelo menos, que a gente dê risada.

Algumas pessoas (eu, inclusive), usaram o Sarahah para o que ele foi criado: trazer mensagens positivas. Ainda assim, tudo continua um pouco triste. Gostaria muito de saber quem me escreveu isso, para que possamos recuperar o tempo perdido e transformar o coleguismo em uma amizade. É sempre bom sabermos que estamos cercados de boas pessoas.

De nada adianta receber mensagens que trazem felicidade quando o ódio aparece em alguma. É claro que não somos capazes de fazer com que todos gostem da nossa personalidade, mas esse tipo de conteúdo só mostra o lado ruim do ser humano. É realmente necessário que alguém escreva isso anonimamente? Não seria melhor ter um diálogo saudável, tentando estabelecer uma amizade? Ou, se realmente não há como consertar um relacionamento, não é melhor cortar o círculo social de vez?

O Veredito

Masoquismo. Aplicativos e redes sociais anônimas só servem para que o usuário sofra. Vivemos em uma era em que ao mesmo tempo temos liberdade, ela pode nos agredir. Eu ainda prefiro me manter em lugares onde eu mostre o rosto, falando com as pessoas e recebendo consequências por meus atos. Atacar o outro, por pior que ele seja, nunca te fará superior. Deixo a dica: prefira ser honesto. O Sarahah logo irá sumir, mas outro surgirá em breve. Prefira as cartas, de preferência com mensagens de amor e algum perfume brega.