É comum conhecer pessoas que tem uma relação de amor e ódio com jogos casuais extremamente viciantes, como Candy Crush. Por mais que exista a consciência de que esse jogos são muitas vezes mal elaborados e repetitivos, com um game design tosco que tenta levar seu dinheiro com uso de manipulação da frustração e cara de pau descarada, é inegável que eles são eficientes, movimentam muito dinheiro e continuam crescendo. Então surge a dúvida: por que games claramente bobos e mal feitos viciam tanto?
A resposta está na psicologia comportamental, também conhecida como behaviorista, aplicada ao game design. O nome mais conhecido dessa corrente é o do B. F. Skinner, criador do famoso experimento da caixa de Skinner. Nele, o cientista colocou um rato com fome e sede em uma caixa com um botão. Se o rato apertasse o botão, água ou comida eram colocados ali. Rapidamente, o animal aprendeu a repetir o comportamento que lhe alimentava e a evitar outros que resultavam em punição, como choques elétricos quando ele saía de determinada área. Esse fenômeno foi chamado por Skinner de condicionamento operante, e demonstra, explicando aqui de uma maneira bem simplista, que é possível aprender a repetir comportamentos através de reforços positivos e negativos.
Alguns jogos, especialmente esses que chamamos de “viciantes”, usam princípios da caixa de Skinner para engajar os jogadores sem necessariamente diverti-los. A aplicação da psicologia behaviorista no game design tem sido amplamente utilizada e discutida tanto nos jogos casuais quanto nos AAAs, como mostra esse artigo do especialista John Hopson, que já trabalhou na Microsoft e em títulos como Destiny. Mas como funciona? Por que eu não consigo desapegar desses doces irritantes que se multiplicam? Por que eu gosto tanto de jogos que são obviamente horríveis?
Reforço positivo/ reforço negativo
Uma parte crucial do game design é administrar a frustração do jogador. Se o jogo for muito difícil e não o recompensar proporcionalmente, ele fica desestimulado e desiste. Se o jogo for muito fácil, idem. É preciso equilibrar o esforço e a recompensa, de forma que o desafio se mantenha interessante por um bom tempo.
Games casuais usam muito algumas técnicas testadas em experimentos behavioristas, como dar recompensas rapidamente no início e aumentar a dificuldade progressivamente. Outro truque é dividir a recompensa grande em várias recompensas menores. Pode ser uma armadura dividida em partes, por exemplo. A ideia é a mesma da caixa de bombons: você pensa “vou comer só mais um” e come a caixa toda, porque afinal não faria mal só mais um bombom pequeno, não é? “Vou jogar mais cinco minutos só, pegar só mais uma peça da armadura… ah não, já são 4 horas?!”.
Games viciantes também abusam do reforço negativo: basta um pouquinho de descuido para arruinar todo o trabalho que você teve por um tempão. Lembram de Farmville? Ficar sem regar sua fazenda estragaria aquelas plantas que você ralou muito para conseguir. Para não perder as horas desperdiçadas, desperdiçamos mais.
Se está no jogo, existe
Muitas vezes quando alguém quer falar mal de games, diz que perdemos muito tempo com coisas que “não existem”. Mas os jogos existem: eles estão aí sendo vendidos e comprados, comentados e consumidos, e não podem ser considerados “irreais” por serem digitais, certo? Um erro comum é menosprezar o potencial de envolvimento de uma mídia só porque seus personagens e elementos não existem no mundo offline. Lembrando que a indústria de bens virtuais vale bilhões de dólares no momento, e que na Coreia do Sul já são encarados como bens materiais convencionais.
Itens de jogos levam tempo, esforço ou dinheiro para serem conquistados, e esse investimento cria laços afetivos com o jogador. Quanto mais conquistamos, mais nos sentimos relutantes em abrir mão. Isso nos mantém jogando por mais e mais tempo, geralmente até a dificuldade aumentar a ponto de ser desestimulante ou os itens do jogo serem todos conquistados. Por isso que em games online as empresas precisam sempre pensar em novos prêmios especiais e incrementos de dificuldade.
Jogar para esquecer
Recentemente uma pesquisa sobre os mecanismos do vício em drogas mostrou que, mais do que a força das substâncias, o que realmente é determinante para tornar alguém um viciado é a droga (ou qualquer outra coisa) ser a melhor opção para ele naquele momento, em termos de conexão com seu ambiente. Seja com ratos nas gaiolas ou com soldados no Vietnã, a maior parte dos indivíduos buscam o vício quando têm pouco ou nenhum interesse em todo o resto e tendem a largá-lo quando encontram conexões que os motivam a isso.
Os jogos casuais bobos se aproveitam dos nossos momentos de tédio e falta de conexão: pode ser um emprego tão chato que você prefira se esconder para jogar Candy Crush no banheiro, uma viagem longa e desconfortável no transporte público ou uma conversa desinteressante. O sucesso dos jogos casuais bobos pode mostrar uma falta de sucesso em outros aspectos da nossa sociedade. Talvez seja mais interessante paramos de reclamar do Candy Crush e seus semelhantes e começarmos a repensar os empregos tediosos, os transportes públicos ineficientes e as amizades tóxicas. Ou pensarmos em jogos melhores para matar o tempo.