Com o lançamento de Star Wars – O Despertar da Força, no final do ano passado, a verdade é que devotei uma atenção maior aos produtos derivados da saga, como não tinha feito nem na época da famigerada segunda trilogia. Obrigada, internet, pelo hype, que está bem difícil de gerenciar.

Entre os produtos que tive contato, posso citar o RPG publicado pela Fantasy Flight Games (no Brasil, a tradução saiu pela Galápagos), os romances juvenis traduzidos pela Editora Seguinte (O garoto da fazenda, A missão do contrabandista Alvo em movimento), e a série Rebels, do canal Disney XD, uma grata surpresa. Admito que o visual caricato e a animação em CG me causavam preconceito, mas com as recomendações de pessoas de gosto confiável, resolvi assistir.

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Essa família é muito unida… e também muito ouriçada…

A história segue os passos de Ezra Bridger, um jovem órfão que cresceu nas ruas de Lothal, planeta do Anel Externo da galáxia. Seria um dia casual para o rapaz, se ele não acabasse presenciando a ação de um pequeno bastante diverso, roubando uma carga que tinha por destino uma nave imperial. Ezra, notando que poderia tirar algum lucro dali, se meteu na operação e acabou conhecendo a tripulação rebelde (hã, hã!) da Ghost, liderados por Kanan e capitaneados por Hera.

Uma coisa necessária para curtir Star Wars – Rebels é equilibrar as expectativas. O público visado pela animação é juvenil (a começar pelo protagonista de catorze anos, Ezra Bridger), então o espectador mais velho pode encontrar problemas com alguns episódios que sejam mais inocentes, além, claro, das concessões habituais dos produtos de Star Wars, como a violência estilizada e a abordagem superficial de temas como escravidão e a formação de crianças-soldados pelo Império.

Não se deixe enganar pelo primeiro episódio, intrépido padawan. Confie na Força. Como qualquer primeiro episódio, ele precisa estabelecer o tom das histórias vindouras, estabelecer o cenário, apresentar personagens principais, antagonistas recorrentes… tudo isso em pouco tempo, sem perder o ritmo e ficar chato. Não é fácil de equilibrar tantos elementos, então, ele deixa muito a desejar. Os episódios seguintes, porém, conseguem fechar o escopo sobre elementos específicos, de forma que os personagens vão se desenhando de maneira bem mais complexa do que um primeiro olhar deixa perceber.

EzraBridgerA começar por Ezra, o jovem órfão que precisou aprender cedo a se virar sozinho. Sem querer “psicologizar” demais a ficção, não é difícil notar o desejo rebelde juvenil de querer independência, de sentir que sabe das coisas. Ezra é autossuficiente, até encontrar a tripulação da Ghost e perceber o que lhe fazia falta: um sentimento de pertença a uma família. O que torna possível um paralelo bem interessante, afinal. A rebeldia típica da juventude pode ser bem canalizada se tiver a supervisão de um lar apropriado, mesmo que esse lar seja uma nave sempre em movimento e não uma residência fixa.

Kanan_JarrusPassemos então para o resto da tripulação, e para um preferido pessoal, o fugitivo Jedi Kanan. Admitidamente, eu não costumo ter muito amor pelos personagens Jedis, porque acho seus conflitos religiosos previsíveis (um amor secreto, a tentação do lado negrzzZZzz…) e muito fáceis de serem escritos. “Não há paixão, há serenidade”, já diria o código. Kanan, no entanto, lida com inseguranças de outros tipos: ao conhecer Ezra, um jovem sensitivo à Força, ele resolve tomá-lo como aprendiz, apesar dele mesmo ter sido apenas um padawan. Portanto, um Jedi que sequer saiu da academia se vê tendo que liderar um grupo, tomar decisões que envolvem a vida dos outros e ser um professor (de uma filosofia que ele mesmo não compreende inteiramente). E no alto dos seus episódios de 20 minutos, a série consegue trabalhar essas camadas muito bem.

HeraSyndullaHera, a capitã twi’lek, é uma piloto excelente e a frontwoman do grupo, sendo responsável por estabelecer contatos com os membros de uma germinal aliança rebelde. Hera ainda guarda um quê de maternal, no sentido de ser aquela personagem que tenta manter ordem na casa, ao tempo que é muito capaz em suas funções e de improvisar enormemente. Ela tem um apego enorme com a causa da Rebelião, o que, até o momento, não foi exatamente explicado. Mas é uma das personagens com as melhores falas e de mente mais afiada. E troca vários olhares significativos com Kanan, o que só alimenta o shipp.

ZebOrreliosZeb, a parede de músculos do grupo, é um lasan sobrevivente da chacina cometida pelo Império contra seu povo, então, não é como se ele precisasse de muitos motivos para se rebelar contra o governo totalitário. O que eu acho mais interessante, porém, é que ele é um personagem ainda capaz de guardar um quê de criança – o que só deve ajudar o espectador juvenil a se projetar na série, creio – e desenvolver uma relação conflituosa e afetiva com Ezra, o que, por muitas vezes, é utilizado como meio de movimentar a trama, coisa que pode ficar meio chata. No entanto, é possível perceber que essa suposta infantilidade é mais uma válvula de escape para alguém que precisou lidar com um passado doloroso, e a presença de Ezra cai como uma luva para que ele possa exercer o papel de “tiozão do pavê”.

SabineWrenE chegamos a Sabine. A jovem de cabelos coloridos, grafiteira que personaliza a própria armadura – quer ato mais jovem-rebelde do que pichar paredes com latas de spray? – abandonou a academia do Império por perceber que teria que obedecer ordens cegamente, não importando para isso a expressão de sua individualidade. Como Hera, é uma personagem muito competente em suas funções, e por muitas vezes atua como a irmã mais velha e levemente mais ajuizada. Uma coisa importante a se destacar é que o design das duas protagonistas femininas parece ter sido deliberadamente pensado a não sexualizá-las – Sabine usa pedaços de uma armadura semelhante à dos caçadores de recompensas, enquanto Hera usa calças largas que não marcam seus quadris ou seios.

Reb_ia_413_l_medianetNão dá, porém, para esquecer de Chopper, o droid C1-10P. O robô com aspecto de lata de lixo é dono de um dos sensos de humor mais perversos do universo Star Wars, e, claro, capaz de uma gama enorme de expressões com luzes e onomatopeias. Ele também pode ser interpretado como o irmão mais novo encapetado que sempre sai por cima das coisas que apronta, afinal, ele é de importância vital para a tripulação.

The_Inquisitor_headshotOs antagonistas também são diferenciados, especialmente o Inquisidor, com seu estilo de luta de esgrimista, seu sotaque britânico e seu hábito de sair por aí caçando os jedis remanescentes. Aliás, a própria ideia de uma ordem de sensitivos à Força no Império, dedicada a caçar os adeptos de uma antiga religião, é muito boa e adiciona camadas a mais de verossimilhança ao cenário – uma ideia que foi aproveitada de um dos RPGs de Star Wars, aliás.

E falando em coisas bem aproveitadas, as aparições de personagens famosos da franquia são muito bem utilizadas. Elas não roubam o protagonismo do grupo insurgente sem perder personalidade, de modo que não ficam banalizadas. Esse é um elemento difícil de utilizar; Star Wars é uma franquia muito bem estabelecida, e que se sustenta por seus personagens, alguns se arriscam a dizer. Assim, não seria estranho de pensar que aparições como as de Mestre Yoda pudessem ofuscar os rebeldes, o que definitivamente não acontece na série. Os cameos são muito bem utilizados, e reconhecíveis o bastante para fãs mais experimentados no cenário.

Por fim, não é tão difícil perceber que recai nos ombros de Ezra ser o elo do grupo, papel que carrega até em seu sobrenome, Bridger (bridge, do inglês, traduzido por ponte… Ponte, Elo, travessia, sacou? Hã? Ok, parei). A série mantém um tom que é inegavelmente coerente com a proposta de Star Wars – uma aventura espacial, onde os lados são definidos mas os conflitos estão ali presentes. Com ótimos diálogos, excelentes dubladores, é uma introdução muito boa para curiosos sobre os rumos do universo expandido além dos filmes, e uma maneira de lidar com a espera para os próximos filmes.