Semana passada a Valve anunciou três produtos que serão o ponto central da estratégia da empresa para a expansão do universo Steam em 2014: o sistema operacional SteamOS, os hardwares Steam Machines e o Steam Controller. Os três anúncios destacaram a abertura como uma característica central dos lançamentos, provocando especulações sobre o impacto e as implicações de um produto totalmente aberto no mercado de consoles.

Os três novos produtos da Valve são baseados em Linux, sistemas operacionais de código aberto que agregam uma comunidade antiga e atuante no desenvolvimento e aperfeiçoamento dos mesmos, e existe uma grande expectativa em relação à recepção do universo Steam por desenvolvedores já atuantes no meio. Segundo Vivian Rosa, colunista do site Unders Tech e membro da comunidade Linux há vários anos, o SteamOS dividiu opiniões. “A comunidade Linux, como qualquer comunidade, se divide em algumas “facções” com relação ao SteamOS. Existem aquelas minorias, bastante vocais, que consideram uma perda de tempo e acusam o SteamOS de ser apenas uma remasterização do Ubuntu (que por sua vez seria uma remasterização do Debian), mesmo sem qualquer detalhe técnico ter sido liberado ainda pela Valve. Já entre a mídia especializada, desenvolvedores e usuários prominentes, existe muita expectativa.”

Vivian está entre a parcela mais otimista da comunidade e vê vantagens no sistema operacional tanto para desenvolvedores quanto para usuários finais. “Apesar do Steam em si ser software proprietário, o foco da Valve em um sistema aberto também pode agradar bastante as pessoas que se importam com a filosofia do Software Livre, popularizando esse modelo e mostrando que ele é possível. Do ponto de vista da Valve, usar uma base aberta também faz sentido, diminuindo em muito o trabalho necessário para se manter e criar um sistema operacional inteiro” afirma.

Ela também destaca que as possibilidades para usuários com mais conhecimento técnico serão ainda maiores.  “A abertura de hardware e software criará bastante flexibilidade. Para desenvolvedores, isso significa poder entrar nas entranhas do sistema, modificá-lo, melhorá-lo, aprender com ele. Para usuários finais com conhecimentos técnicos, isso significa tantas possibilidades quanto qualquer sistema Linux. Seria possível trocar ou adicionar componentes (placa de captura de TV, receptores de infravermelho, câmeras, etc) para melhorar a performance, adaptá-lo para outros usos ou simplesmente para se divertir explorando os limites das possibilidades. A existência de emuladores, apesar de estar numa área cinza legalmente, também significa que uma máquina Steam será a forma mais simples de poder jogar, na sua TV e confortavelmente, todos os jogos de quase todos os consoles de gerações passadas. Eu não me surpreenderia se algum engenheiro de algum lugar do mundo desse um jeito de integrar os próprios leitores dos cartuchos para uma experiência mais autêntica. Esse potencial como Um Console Para a Todos Governar é um que não vejo recebendo muita atenção por aí.”

Apesar das perspectivas de liberdade que um sistema operacional traz para o universo dos consoles, existe apreensão em relação ao preço final das Steam Machines. O Piston da Xi3, que durante algum tempo foi apontado como a possível Steam Box, vai ser lançado dia 29 de novembro (data conhecida como Black Friday) com o preço nada competitivo de 999 dólares. Geralmente o custo de um computador é mais alto que o de um console, e como as Steam Machines terão múltiplos fabricantes, é possível que a Valve jogue a responsabilidade do preço do hardware para os mesmos.

Outra questão importante é: a ideia de um “computador de sala de estar” vai realmente ser popularizada? Sabemos que existe um público fiel para o Playstation e o Xbox, motivado também pelas franquias exclusivas e por uma nova geração a caminho. Mas o público PC gamer e de fãs de indie, nichos mais fortes na Steam, tem um perfil de consumo bem diferente: quando acompanhamos listas de discussão com a eterna rivalidade PC X console, vemos que PC gamers querem justamente um PC para usufruir dos benefícios que o grupo mais defende, como melhor qualidade gráfica e processamento. Será que usuários que investem em máquinas potentes voltadas para games estarão interessados em uma Steam Machine? Ou que uma máquina da Valve robusta o suficiente para competir com PCs terá um custo competitivo no mercado de consoles?

Outra sombra que paira sobre o lançamento do hardware da Valve é o fracasso do Ouya, console com sistema operacional Android. Apesar do custo extremamente atraente de 99 dólares, ampla biblioteca de jogos (a loja oficial oferece inclusive emuladores) e alta atratividade para desenvolvedores, o console não emplacou simplesmente por falta de público interessado.

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O Piston, da Xi3, e o Ouya: conceitos parecidos

Esses questionamentos fazem do SteamOS o lançamento da Valve com aparentemente maior potencial de popularização. Um sistema operacional aberto voltado para entretenimento tem potencial para ser adotado por fabricantes de players de mídia, como aparelhos de Blu-Ray, ou integrado a televisão para exibição de conteúdos em streaming, como o já consagrado Netflix. Caso seja bem recebido, o SteamOS pode se tornar o equivalente ao Android no universo dos players de mídia.

Apesar das especulações, o ambiente em geral é otimista. Recentemente, o presidente da Tripwire Interctive John Gibson deu uma entrevista extremamente positiva para a PC Gamer afirmando que SteamOS, Steam Machines e Steam Controller serão “as melhores coisas que aconteceram para os jogos de PC desde a distribuição digital”. “Pela primeira vez todo o caminho entre o desenvolvedor e o cliente está sendo criado por uma companhia focada em desenvolvimento de jogos e em dar aos gamers o que eles querem”, explicou.

Resta agora esperarmos pelos lançamentos, previstos para o final deste ano, e descobrirmos que usos os usuários e desenvolvedores farão deles. “De qualquer forma, mesmo que a Valve não esteja tão interessada nessas consequências de uma arquitetura aberta, a escolha pelo Linux significa que o máximo que ela pode fazer é ditar os termos em que trabalhos derivados do SteamOS acontecerão, mas não impedir o surgimento deles” conclui Vivian.