Semana passada, aconteceu o que todos já esperavam. O presidente da Nintendo, Satoru Iwata, anunciou que o Wii U não atingiria a meta da empresa de vender 9 milhões de unidades neste ano fiscal e reduziria as expectativas de vendas para apenas 2,8 milhões, causando um prejuízo para a gigante japonesa. Nem mesmo o 3DS, o console mais vendido mundo afora, atingirá a meta prevista pela Nintendo. Nesta maré de notícias ruins, ainda mais depois do sucesso do Wii, fica a pergunta: o que deu de errado para a Big N?

Bem, sobre o 3DS, não há muito o que dizer, pois ele vai muito bem, obrigado. Pode não ter vendido tanto quanto a Nintendo gostaria, mas o seu sucesso é inegável. O elefante na sala é mesmo o Wii U. Reduzir as expectativas de vendas em mais de 2/3 significa que algo está indo muito mal, e houve algo de muito errado feito no caminho. E nem é tão difícil compreender ou explicar a grande quantidade de erros cometidos com o Wii U; só a Nintendo que demorou para ver a ficha cair, ou pelo menos para admitir.

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“Estamos bem financeiramente”, já dizia Iwata. Bons tempos.

E se é pra falar dos erros, comecemos logo com o mais básico: o nome “Wii U”. Sério, Nintendo? “Wii” já era um nome bem zoado, mas o console conseguiu ser bem-sucedido, apesar disso. Mas “Wii U” foi apelação demais. É impossível não parecer um retardado enquanto se tenta pronunciá-lo. Mais do que isso, tente explicar pra alguém que não é da área de games que este é um console novo. Tarefa nada fácil. Na época do lançamento, eu liguei para diferentes lojas dos EUA para conferir a disponibilidade do estoque, e em pelo menos metade das vezes, principalmente em lojas de departamento que não são especializadas em videogames, tive que repetir o nome lentamente para a pessoa compreender o que eu estava falando, e que não era o “Wii”, mas o “Wii U”. Pra ver o nível.

Dá para entender que a Nintendo quis se valer do sucesso da marca Wii para fazer marketing de seu novo console, mas se até lojistas tinham dificuldade de entender que era algo novo, imagina o consumidor? Combine uma mensagem confusa da própria empresa, que quis atrair de volta o gamer hardcore sem perder o casual, conquistado na era do Wii; adicione um péssimo marketing do produto (dizem que na Europa, onde o Wii U está às moscas, quase não se vê propaganda), que destacou o controle e não o fato de ser um console diferente; e misture tudo. O resultado? Bem, você começa a compreender melhor por que tanta gente não sabia o que raios era um Wii U e por que até hoje a Nintendo precisa explicar o que ele é.

O Wii foi um grande sucesso, é verdade, e seu trunfo foi atrair o público casual, aqueles que não são gamers tradicionais, para comprar o console, graças a jogos como o Wii Sports, Wii Fit, etc. Entretanto, o grande destaque do Wii U era o gamepad: um tablet em forma de controle. O que o consumidor comum compreendeu? Que era apenas um simples acessório para o Wii, em vez de seu sucessor. E cá entre nós, um “acessório” de US$ 300 não é algo que vai chamar tanta atenção. Mas tudo bem, o gamepad é um controle legal, abrindo várias possibilidades. Por exemplo, tem o Nintendo Land, que tem vários minijogos legais. Além disso, tem o… tipo, a… aquele lá… err, não, é só isso mesmo. Pois é, enquanto o Wiimote era um controle que tinha um apelo, que demonstrava de imediato as suas funcionalidades, o gamepad do Wii U é um acessório inexplorado, que encarece o produto final, e até agora não disse para o que veio, depois de mais de um ano.

Ainda assim, não se engane, reitero que o gamepad é um controle bem legal e que inova em relação aos seus concorrentes. Porém, a inovação, que é uma marca da Nintendo, anda lado a lado com a sua teimosia. Já não é de hoje que a Big N é resistente às mudanças dos tempos: quando todo mundo começou a mudar para CDs, a Nintendo insistiu com cartuchos. Quando a moda era os DVDs, ela inventou de ir com os miniDVDs. E quando os jogos online começaram a proliferar, ela deu de ombros e preferiu enfatizar a experiência do multiplayer local. Não há problema em se tentar algo novo, mas nem é preciso dizer que a empresa errou em todos os casos citados, sempre tentando corrigir o erro nos consoles seguintes.

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A mesma situação se repete com o Wii U. Talvez a questão mais atual seja a de troféus ou achievements, um sistema de conquistas instituído pela Microsoft e pela Sony que gratifica o jogador, mesmo que simbolicamente, por conseguir alguns feitos no jogo. A sensação de conquista por fazer coisas difíceis nos games sempre existiu, mas agora você podia mostrar aos seus amigos. Claramente, foi um sistema que deu certo e que pegou entre os gamers, só que, mais uma vez, a Nintendo hesita em adotá-lo. Aí digamos que uma desenvolvedora lança um jogo para PS4/Xbox One e para o Wii U, sendo exatamente iguais em gráficos, jogabilidade, etc, com a única diferença de que a versão do primeiro tem troféus, e a do segundo, não. Para um consumidor que possui ambos os consoles, qual versão você acha que ele vai preferir?

Além disso, apesar do sucesso do Wii, uma grande crítica ao console foi justamente a falta de apoio third-party developers; ou seja, jogos feitos por outras empresas que não fossem ligadas à Nintendo. Sim, é verdade que a Nintendo faz jogos como ninguém, mas nenhum console sobrevive por muito tempo sem o forte apoio de outras produtoras. E, outra vez, a Nintendo tem fracassado em conseguir mudar isso para o Wii U. O resultado foi uma longa seca de jogos depois do seu lançamento, o que só começou a mudar no 2º semestre de 2013. Mas até lá, o estrago já tinha sido feito, e as vendas do console já se encontravam bem estagnadas.

Mesmo assim, a Nintendo demorou para reconhecer o problema. E isso expõe outro lado da gigante japonesa: a sua arrogância. Por repetidas vezes, por exemplo, o presidente da Nintendo of America, Reggie Fils-Aime, insistiu que estava tudo bem, que bastava o lançamento de grandes jogos para o Wii U ganhar força. Eventualmente, esses jogos vieram: Pikmin 3, The Legend of Zelda: Wind Waker HD e, por fim, Super Mario 3D World. E, de fato, as vendas do console melhoraram com o lançamento de cada um, mas ainda ficaram muito longe do necessário: o buraco era bem mais embaixo. Se fosse mesmo apenas questão de ter bons jogos, o Gamecube, por exemplo, não teria vendido tão pouco.

A propósito, declarações arrogantes não faltam no arsenal de Reggie. Em dezembro do ano passado, ele afirmou que petições pela tradução de jogos para o Ocidente, como a Operation Rainfall, não influenciava as suas decisões. Mesmo? Então o que seus consumidores pedem não influencia em nada o que a Nintendo faz? De fato, a Operation Rainfall pedia pela tradução de alguns jogos, como Xenoblade Chronicles e The Last Story para a América do Norte, o que a Nintendo relutou em fazer. Mesmo quando fez, no caso de Xenoblade Chronicles, a Big N lançou o jogo em cópias limitadas, talvez esperando que não vendesse tanto. Resultado: o jogo esgotou, e hoje uma cópia usada (que não traz lucro à Nintendo) é vendida por um preço maior que uma nova quando foi lançada. Ou seja, os fãs estavam certo, e a Nintendo, de novo, errada.

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Até o Brasil não foi poupado de polêmicas. O executivo americano também chegou a dizer que a indústria brasileira não tinha as “capacidades técnicas necessárias” para produzir os seus consoles, o Wii U e o 3DS, em território nacional. Então é possível produzir o PS3, o Xbox One, mas não um Wii U? Ah, fala sério, Reggie!

Apesar de tudo isso, é importante ressaltar que há muita besteira sendo dita sobre o assunto. Esqueçam as críticas tolas que pedem para que a Nintendo saia do mercado de consoles, que desista do Wii U e lance um console mais poderoso que possa competir com o PS4 e Xbox One, que lance Mario em smartphones, que pare de lançar Mario e Zelda toda hora, etc. Vocês querem o quê, um mercado com apenas Sony e Microsoft, que produzem consoles quase iguais, sem grandes diferenças entre si? E outra, ter um console mais potente nunca foi sinal de sucesso; poucos sabem, mas o Gamecube era mais potente que o PS2, e veja no que deu. Também não há motivos para lançar jogos do Mario em smartphone se um fã de seus jogos pode jogá-lo nos portáteis da Nintendo, ainda mais quando o 3DS está vendendo mais do que água no deserto. Sem contar que o grande trunfo de Mario é a jogabilidade, e todo mundo sabe que jogar no celular é uma porcaria. Por fim, as críticas de quem reclama da repetitividade dos jogos da Nintendo partem dos mesmos que compram a mesma versão de Call of Duty ou FIFA ano após o outro. Então… não, vocês não estão com moral para falar alguma coisa.

Numa empresa mais típica do Ocidente, tanto Iwata quanto Reggie já teriam perdido seus empregos. É admirável que a Nintendo não queira cortar na própria carne, mas algo precisa ser feito. Mesmo se o Wii U fracassar de vez, a Big N não vai quebrar; ela tem dinheiro em caixa o suficiente para aguentar repetidos anos ruins (mais do que a Sony e a Microsoft poderiam). Mas se quiser começar a virar o jogo, é preciso começar a ser mais flexível e humilde, passar a ouvir mais os seus fãs (e reconhecer que os ouve). Estabeleça um sistema de conquistas, atraia outros desenvolvedores para os seus jogos, continue investindo no multiplayer online. Busque, sim, o público casual, mas não esqueca dos gamers mais hardcore. E pelo amor de Bowser, trabalhe melhor no seu marketing. O 3DS começou mal e hoje é o console mais vendido do momento, então nada impede que o Wii U consiga ainda dar a volta por cima, por mais que seja improvável.

Que fique claro, Nintendo: nós ainda queremos ver o Iwata-chan dando os seus Nintendo Directs; ainda queremos mais Marios e Zeldas, além de todas as suas outras franquias; e, acima de tudo, ainda queremos ser surpreendidos pela experiência que só um console da Nintendo pode dar. O mundo dos games jamais seria o mesmo sem vocês. Só que está na hora de parar de fingir que vocês não competem com a Sony e a Microsoft e de voltar a reivindicar o papel da protagonista nesta disputa. Nós, fãs de longa data, agradecemos.