Se você tem acompanhado a programação do palco Stadium da Campus Party Brasil 2014 aqui no Bonus Stage já sabe que esse ano o evento está repleto de palestras sobre empreendedorismo na área de games. Mas os desenvolvedores não são os únicos contemplados pela #CPBR7, e hoje às 18hs quem subirá no Stadium serão os jornalistas Théo Azevedo, editor do UOL Jogos; Pedro Zambarda, que publica a coluna Geração Gamer no TechTudo; Pablo Miyazawa, editor-chefe da revista Rolling Stone Brasil com uma longa na carreira na área de games em publicações como a EGM Brasil, Herói e Nintendo World; e João Coscelli, autor do blog Modo Arcade do Link, no jornal Estadão.

Esse time mais que credenciado conduzirá a palestra “20 anos de Jornalismo de Games: Quais são os desafios dos profissionais de hoje? ” Pedro, Théo e João conversaram com o Bonus Stage sobre esses desafios e o lugar do jornalismo de games na imprensa nacional atual.

Bonus Stage – Quais são as mudanças mais significativas que vocês acreditam que ocorreram na cobertura de games nos últimos anos? E nos leitores do assunto?

João Coscelli – Não dá para negar que a internet revolucionou o jornalismo e a comunicação em geral, não só no que diz respeito aos games. Há dois motivos principais: o primeiro é que trata-se de um meio que reúne texto, foto, vídeo, som e interatividade, o que torna as possibilidades de trabalhar com ele infinitas, enquanto o segundo é que ela é acessível e acessada por muita gente, dando voz a essas pessoas também, fazendo com que elas se tornassem, além de leitores, participantes, disseminadores e até produtores de informação, o que torna-se ainda mais forte quando falamos de games, que é algo bastante popular entre os usuários dessa mídia.

Pedro Zambarda – A cobertura de games no Brasil sofreu forte influência de revistas que eram fortes nos anos 90, como Ação Games e Nintendo World. Elas moldaram a minha geração de leitores com detonados de jogos, dicas e truques para se dar bem como jogador. O problema é que agora nós mesmos colocamos esse conteúdo de graça na internet, com nossas próprias interpretações. Por esse motivo, a crítica inicial de games, que falava muito sobre o mercado americano e o japonês, está em decadência.

Eu estou tentando falar 100% de nosso país em minha coluna de games no TechTudo. Desde 16 de abril de 2013, eu escrevo às quartas-feiras a Coluna Geração Gamer entrevistando desenvolvedores, entusiastas, empresários e artistas que tentam fazer jogos brasileiros. Acredito que conteúdos como os meus, que não são videogame puro sangue e tem um pouco de economia e negócios, vão ditar ainda mais o noticiário nos próximos anos. Eu tento aplicar nos meus textos o conhecimento que acumulei por mais de dois anos na redação do site Exame, da editora Abril.

Outro desafio é fazer um conteúdo digital tão rentável para a publicidade e para possíveis vendas quanto eram as revistas em 1990. As revistas de games vendiam absurdos e a cultura jovem estava sendo descoberta por nós naquela época. Para você ter uma ideia, a revista Herói chegou a bater Veja por alguns anos, com tiragem de mais e um milhão de exemplares.

Théo Azevedo – Ao mesmo tempo em que o avanço tecnológico transformou os games em produtos extremamente elaborados e complexos, resultado do trabalho de centenas de pessoas e de orçamentos milionários, o Wii, seguido por smartphones, tablets e até pelo Facebook, levaram os jogos eletrônicos às massas. O jornalismo de games espelha essa transformação: hoje a informação é abundante e há nichos e mais nichos, desde sites de cobertura abrangente, como é o UOL Jogos, até canais no Youtube especializados em Minecraft, passando por sites focados apenas na cena “indie”. Os games viraram parte do cotidiano das pessoas – que, às vezes, nem se dão conta disso – e cabe à imprensa identificar atender o anseio desse público por informação.

Bonus Stage – Os games atualmente são uma mídia de grande alcance, que arrecada tanto ou mais que o cinema. Vocês acham que o espaço dos games na imprensa atualmente é equivalente ao peso que eles têm no mercado de entretenimento?

Théo Azevedo – No Brasil, ao menos, ainda está bem longe disso. Como o mercado local ainda está longe da maturidade – sequer o Governo se deu conta do potencial gerador de emprego, renda e know-how criativo do setor -, tal quadro se reflete no espaço dedicado pela imprensa ao assunto. Por outro lado, até que ponto a cobertura de games depende de espaço na mídia tradicional? Há inúmeros canais de informação, muitos feitos pelos próprios usuários, no Youtube, sem falar em blogs, Twitch.tv, Facebook etc.

Pedro Zambarda – Vou te dar uma resposta bem fora do comum pra esta pergunta. Games ainda movimentam grandes somas de dinheiro. Mas acredita que eu os vejo em crise, hoje em dia? Não a indústria toda, mas sim a forma tradicional e quase mecânica de lançar jogos e continuações. A ascensão das produções independentes e da rede online Steam provam que o dinheiro não está apenas com as marcas conhecidas, como Sony, Nintendo e Microsoft. Elas terão que se reinventar nesta pequena crise.

O espaço da imprensa oscila. As revistas especializadas ajudaram a fundar nosso jornalismo de games, lançando nomes famosos como André Forastieri, Pablo Miyazawa e Théo Azevedo. Mas o que realmente falta são os veículos tradicionais darem espaço para os jogos digitais no mesmo patamar de outras pautas. Vejo mudanças em curso até na revista Veja, além dos grandes portais, que já faziam isso.

João Coscelli – Depende do que você considera “imprensa”. Na imprensa tradicional (TV, rádio, revistas, jornais), não. Mas na internet eles estão muito presentes, muito por conta das transformações que falei acima. A internet é hoje a “imprensa” dos games, mas acho que faltam sim profissionais qualificados e especializados nesse segmento.

Bonus Stage – É comum que o conteúdo de games nos veículos de imprensa nacionais esteja mais próximo da editoria de tecnologia que da editoria de cultura. Porém, lançamentos de sucesso vindos principalmente do mercado indie muitas vezes não priorizam aspectos técnicos dos games, e sim expressivos. Como vocês sentem que o jornalismo de games está acompanhando esse processo? Vocês acreditam que, em breve, o espaço reservado para crítica de games na imprensa será semelhante, e próximo, do reservado para crítica de cinema e espetáculos?

João Coscelli – O jornalismo de games nasceu vinculado ao tecnológico mas está, aos poucos, se desvinculando dele, tornando-se independente. Isso ocorre devido à dimensão e à importância que os games ganharam com o tempo e é muito importante para mostrar que a indústria de jogos movimenta dinheiro e é um segmento de peso no entretenimento. Mas se falarmos em mídia tradicional, acho difícil que o espaço dado à crítica cultural seja o mesmo que o dado à crítica de games, porque o público que vai ler sobre jogos não é o leitor dessa mídia tradicional. Como eu disse, é na internet que está o público leitor de games e é lá que está o melhor material. Pode até ser que algum veículo considere os games em sua editoria cultural, mas não acho provável.

Théo Azevedo – Creio que a imprensa de games como um todo ainda está “tateando” este nicho dos indies. Um dos exercícios mais difíceis no dia-a-dia do jornalista é balancear audiência vs conteúdo, uma vez que cada veículo possui suas metas, expectativas e público-alvo. Particularmente, acho importante não perder de vista que a característica principal de um game é entreter, o que pode ser feito da maneira mais ou menos profunda ou elaborada. Creio que a parte boa nessa equação é que mainstream, indie e outras cenas podem coexistir sem problemas. E os games são um tipo de produto cultural tão particular que minha expectativa é que eles galguem o próprio espaço, seja qual, onde e como for.

Pedro Zambarda – Se a mídia tradicional acompanhasse games com mais afinco, poderia emplacar boas reportagens até em cadernos consagrados, como a Ilustrada. A Le Monde Diplomatique brasileira deu um show neste ano ao abordar o lado acadêmico dos jogos digitais. Videogames são um grande camaleão, para mim. Eles podem ser abordados em veículos especializados, podem ficar sobre o guarda-chuva de tecnologia ou mesmo dentro de uma versão cultural digital de alguma publicação diferenciada. O que não pode acontecer é a ignorância pra cima do assunto.

Também precisamos parar de cozinhar demais a imprensa estrangeira e investir em uma cobertura nacional. A Acigames, a Associação Comercial, Industrial dos Jogos Eletrônicos do Brasil, detectou que há pelo menos 200 empresas 100% brasileiras. É um mar de pautas só nisso. Eu rejeito completamente a cozinha de reportagens boas? Não, mas acredito no lastro de um conteúdo original.

Os sites em geral funcionam como pirâmides, com conteúdo de base, uma análise intermediária e mais simples de ser realizada. No topo dos dados, ficam os furos de reportagem e as informações bem tratadas. É isso que falta a algumas publicações na área de games. Reportar a mesma coisa que o concorrente não é certo, pelo menos pra mim. E a diferença não se dá só no campo da opinião, porque ai seria muito simplista.

Bonus Stage – O público de games é conhecido por ser passional e muito presente nas redes sociais. Como é lidar com esse tipo de leitor? Existe pressão na hora de moderar e responder comentários, ou até mesmo de escrever alguma crítica negativa?

Pedro Zambarda – Eu queria comentar mais ativamente na Globo.com, que é onde está o TechTudo. Como não faço isso, achincalho alguns leitores malas nas redes sociais. Não faço isso por maldade, mas para estabelecer algum debate e tentar dialogar. A grande maioria dos jornalistas infelizmente não tem tempo pra responder ou não o fazem por pura preguiça. Acredito em comunicação social como um processo educacional muito importante. Não supera a escola, mas é fonte de muitos adultos formados e formadores de novas crianças. Portanto, se eu não converso com meus leitores de alguma forma, o meu trabalho acaba perdendo o sentido.

Os comentaristas de internet infelizmente me decepcionam muitas vezes. Surgem com comparações esdrúxulas, comentários machistas e extremismos de todo tipo. Mas eu os leio da mesma forma que leio um elogio. Tento. E sei que há pessoas que me criticam com toda a razão, usando a boa educação sempre como o melhor caminho. O jornalismo de games não deve se curvar às empresas e nem ao público. Deve fazer críticas negativas sempre que isso for o correto. Mas eu acho que a imprensa não deve se basear em opiniões avulsas, mas sim em dados precisos, se possível.

Théo Azevedo – É uma relação, sobretudo, divertida. Em geral o fã de games é muito passional: encara a relação com o videogame ou certa franquia como a escolha de um time de futebol, sujeita às rivalidades. Por isso, tal qual acontece no noticiário esportivo, é comum que as discussões nos comentários terminem com “tiração de sarro”, troca de acusações etc. Por outro lado, há um parcela do público interessada em discussões mais elaboradas sobre o mercado e suas tendências, algo que por sinal UOL Jogos procura atender muito bem – vira e mexe nós mesmos participamos das discussões com os leitores, um processo que aproxima jornalista e público de forma positiva.

Sobre pressão, ao menos no UOL não há nenhuma, até porque a moderação de comentários é feita por uma equipe independente, e não existe regra que impeça o jornalista de eventualmente participar das discussões.

João Coscelli – Em qualquer ocasião, vai ter quem não concorde com você, seja religião, futebol ou política (principalmente!), mas o jornalista deve sempre ser imparcial e, no caso de se tratar de um artigo ou texto opinativo, defender seu ponto de vista de maneira civilizada. É comum sim os “partidários” de determinada facção vomitar centenas de ofensas só porque você escreveu alguma coisa que não o agradou, mas isso faz parte do jornalismo. A “pressão” não deve existir pois nesses casos o que vale é a impressão do jornalista, quer o leitor goste ou não. Basta ser comedido e dar o exemplo não partindo para ofensas. Em alguns casos, é até melhor ignorar e considerar somente as críticas construtivas, que são muito bem vindas sempre.

Bonus Stage – A indústria brasileira de games tem produzido cases de sucesso. O que o crescimento na produção nacional já trouxe de positivo para o jornalismo especializado no tema?

João Coscelli – Temos aprendido muito como as coisas funcionam por aqui – mercado, processos de desenvolvimento, problemas com legislação e custos. O mais bacana é que esse pessoal que desenvolve está sempre muito aberto a falar e com isso aprendemos muito sobre essa parte de desenvolvimento, ficando por dentro do mercado. Outra coisa que é importante é que aprendemos a lidar com algo que precisa de divulgação, mas interessa a pouca gente – os games independentes do mercado nacional. Tem muita qualidade, mas dão pouca atenção a isso.

Pedro Zambarda – Temos jogos que recebem um milhão de investimento, chegam até o top 10 do Steam, incentivos da Lei Rouanet e até reconhecimento da ONU, mas pouca gente noticia esses fatos. O jornalismo infelizmente está preso a uma métrica de visualizações que desfavorece a criação de informação. Deveríamos ter um pouco mais de ousadia para trazer furos de reportagem e não temer oscilações no tráfego de leitores. Felizmente, o TechTudo me deu uma oportunidade de ser um colunista no tema, sem qualquer pressão de audiência.

Théo Azevedo – A cobertura do desenvolvimento de games no Brasil enriquece a cobertura como um todo, principalmente quando o assunto abordado é algo original, divertido, que acrescenta valor.

Bonus Stage – A programação do palco Stadium da Campus Party 2014 é bem voltada para desenvolvimento e empreendedorismo na área de games, e vocês estarão nesse espaço com uma palestra sobre jornalismo. Vocês sentem esse ânimo empreendedor também na área jornalística? Que inovação vocês acreditam que ocorrerá na cobertura de games nos próximos anos?

Théo Azevedo – Sinto que há, sim, um ânimo em torno do jornalismo de games no Brasil, especialmente de estudantes que sonham, um dia, em trabalhar na área. O problema é que, do ponto de vista prático, trata-se de um setor com poucas oportunidades, fechado, que paga mal e que não oferece muitas perspectivas de carreira. Há exceções, é claro, mas o quadro geral é este.

Ferramentas como blogs, podcasts, Twitch.tv, Facebook e, claro, o próprio Youtube, derrubaram as barreiras da produção de conteúdo a quase zero. O profissional da área precisa acompanhar esse processo dinâmico e contínuo, uma tarefa que não é nada fácil, já que envolve criar conteúdo de qualidade e, ao mesmo tempo, estar sintonizado com o público.

Pedro Zambarda – Eu não me sinto empreendedor, por falta de tino comercial, acredito. Mas, um dia, gostaria bastante de editar um veículo ou ajudar alguém que encabece um grande projeto na área de games. Acho que tem espaço pra todo mundo. Pra quem quer fazer conteúdo sério, pra quem quer zoar e pra qualquer formato de mídia, sobretudo na internet. O que mais precisa é de gente com disposição pra colocar a mão na massa e trabalhar, mesmo com eventuais riscos.

João Coscelli – Empreender sozinho no jornalismo é muito difícil, ainda mais por se tratar de uma indústria que está em crise. Portanto não, não tenho esse ânimo empreendedor em relação à área jornalística. Mas acredito sim que algumas coisas vão mudar nos próximos anos na cobertura dos games, assim como mudaram nos últimos tempos. Nota-se uma criatividade cada vez maior por parte de quem produz conteúdo. Antes, jornalismo de games era fazer review e noticiar os lançamentos. Hoje em dia é muito mais que isso. Existe uma preocupação em tratar os games como uma parte da cultura do jovem e eles são incluídos em várias pautas. Isso tende a se tornar cada vez mais expressivo.