O Terror deve ser o gênero cinematográfico que mais se vale de estereótipos batidos e convenções clichês. É meio como comédias românticas, que você já entra no cinema sabendo exatamente como ele vai se desenvolver. A graça está nas pequenas coisas: ver seu amigo morrer de susto nos jump-scares, nas mortes cada vez mais violentas e, nos melhores casos, nos efeitos especiais terríveis.

A partir dos anos 90, o terror no cinema estava se tornando muito mais uma experiência de resistência do que uma forma de explorar seus próprios medos. De uns anos pra cá, no entanto, algo estranho vem acontecendo. Os jump-scares diminuíram, as características técnicas melhoraram, os filmes se tornaram mais reflexivos e existencialistas. O medo nesses filmes vem muito mais por causa do clima que despertam do que pelos monstros e serial killers que aparecem.

Eu percebi uma mudança pela primeira vez com Amantes Eternos (Jim Jarmush, 2013), um filme sobre vampiros em que não acontece nada. Na época, comecei a me perguntar quando foi que vampiros se tornaram tão blasé. Depois disso, mais alguns filmes de terror existencialistas começaram a pipocar no cinema, como Babadook (Jennifer Kent, 2014), A Bruxa (Robert Eggers, 2015), um filme brasileiro chamado Mate-me Por Favor (Anita Rocha da Silveira, 2015) e, mais recentemente, Corra! (Jordan Peele, 2017) e In the Shadows (Trey Edward Shults, 2017). 

The Guardian acredita que está surgindo um novo gênero de horror, o “pós-horror”. O jornal explica que pós-horror é “o que acontece quando você olha além das convenções [de filmes de terror] feitas a ferro e fogo e se perde no escuro? Você pode achar algo ainda mais assustador. Você pode achar algo que não é nada assustador.” Pessoalmente, tenho o costume de chamar esse tipo de filme de “terror-arte”.

Esses filmes parecem ser uma reação à tendência cansada de terror de sustinho dos anos 90 e um resgate a filmes mais profundos e artísticos como O Bebê de Rosemary (Polanski, 1968), O Iluminado (Kubrick, 1980) e até Drácula de Bram Stoker (Coppolla, 1992). Também bebem de filmes europeus, que, via de regra, são feitos com orçamento menor e costumam ser mais experimentais, como REC (Espanha, 2007) e Deixe Ela Entrar (Suécia, 2008). Tamanho foi o seu sucesso desses filmes que REC teve uma série de continuações e ambos tiveram remakes americanos de pior qualidade.

Além de grande parte desses filmes serem feitos por pequenos estúdios, com orçamentos baixos, uma das características mais importantes desses filmes é o fato de mostrarem pontos de vista de minorias e seus medos atípicos. Babadook, por exemplo, um filme australiano que foi produzido através de financiamento coletivo e foi dirigido por uma mulher, conta a história de uma mãe enfrentando depressão pós-parto. A Bruxa, apesar de ter sido dirigido por um homem norte-americano, é contato através do ponto de vista de uma jovem mulher que está descobrindo seus poderes pessoais. Mate-me Por Favor, primeiro longa-metragem da carioca Anita Rocha da Silveira, parte das percepções de um grupo de meninas adolescentes sobre um assassinato e a forma como lidam com a morte, a sexualidade e o crescimento. Corra! é um filme fabuloso sobre racismo do ponto de vista de um negro.

Além desses filmes levarem para a tela o medo que as minorias sentem, eles também mostram a forma como vencem seus desafios. Falando exclusivamente sobre mulheres, em A Bruxa, Mate-me Por Favor e Babadook, as protagonistas se tornam cada vez mais donas de si mesmas enquanto encaram e abraçam sua escuridão. Em The Gorgon’s Gaze: German Cinema, Expressionism and the Image of Horror, livro organizado por Paul Coates sobre a iconografia do horror no cinema expressionista alemão, diversos autores levantam a teoria de que a mulher se identifica com o monstro por também ser o outro. Um outro que não é um homem branco, que geralmente está no papel do herói e do contator de histórias. Nesses filmes, a mulher é o próprio monstro e vemos cada uma delas abraçarem a alteridade dentro de si.

É interessante perceber que criar personagens fora dos moldes e partir de pontos de vista diferentes do que geralmente usamos pode resultar em filme mais originais, com histórias novas e revigoradas. O medo e a forma como cada um lida com o medo são diferentes. Na década de 80, o historiador da arte alemão Hans Belting publicou o clássico Fim da História da Arte, indicando o fim da história única – branca e européia – da arte e como, a partir daquele momento, era necessário incluir as obras populares, assim como as da África, das Américas e da Oceania e reescrever toda a história da arte até então.

O que está acontecendo com o cinema de terror é parecido. É necessário incluir narrativas alternativas e explorar os medos de outros grupos, além de seus estereótipos. O terror nesses filmes são as convenções sociais e os dilemas existenciais. O terror do outro é o tédio, a depressão, o medo de não de encaixar, o racismo. São medos menos óbvios que zumbis e serras-eletétricas. Talvez sejam até óbvios demais. Incomodam porque são perigos presentes e reais. Os jump-scares não existem porque o terror é intangível e cotidiano, nos acompanham da porta do cinema até o trabalho no dia seguinte como uma trilha sonora quase inaudível que nunca avisa exatamente onde o horror está.