Pegue alguns dos melhores aspectos de Uncharted, The Walking Dead, Resident Evil e Metal Gear Solid, coloque tudo numa panela e misture. O resultado? Mais um sucesso da Naughty Dog, um dos melhores jogos desta geração de consoles e exclusivo para o Playstation 3: The Last of Us.

O último lançamento da produtora da série Uncharted foi um projeto ambicioso desde o início. Sair da sombra de seu principal jogo não era fácil, e ainda mais investir num gênero tão batido hoje em dia como o de “apocalipse zumbi”. Mesmo assim, The Last of Us entrega o que promete de forma magistral, superando expectativas e se estabelecendo como o melhor trabalho da Naughty Dog até então.

O legado de Uncharted, no entanto, é inegável, começando pelo visual. Utilizando a mesma engine, The Last of Us apresenta gráficos belíssimos, aproveitando ao máximo o potencial desta geração de consoles que se encerra. A animação e expressão facial dos personagens é realista e convincente, e o nível de detalhes dos cenários, sem apelar ao rebuscado, é impressionante, explorando bem as ruínas decadentes das cidades abandonadas. No intervalo da ação, há momentos nos quais você só quer parar e contemplar o que restou do que antes era uma civilização.

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A mecânica de The Last of Us também é bem similar a Uncharted, seja nos combates ou na forma como a história progride, de modo bem linear. Embora não seja dividido explicitamente em capítulos numerados, o jogo passa por diferentes áreas que, uma vez percorridas, não permitem o retorno. Isso chega a incomodar um pouco, pois ao avançar um pouco demais, você perde a chance de voltar e explorar melhor aquela área que deixou para trás, ou buscar um item que antes não precisava. Ainda assim, esta fórmula adotada faz sentido ao desenrolar da história, que foca na interação dos personagens principais, Joel e a garota Ellie, e em seu diálogo constante enquanto enfrentam perigos e se relacionam com personagens coadjuvantes (traço também marcante da série Uncharted).

E é a história o grande destaque de The Last of Us. A princípio, nada de muito novo inovador: um fungo chamado Cordyceps, capaz de tomar conta do cérebro humano, começa a infectar as pessoas, tornando-as violentas e fora de si, como zumbis, o que leva à queda da civilização humana. Começam aí as semelhanças com The Walking Dead (o da Telltale Games, viu?). Mas além da óbvia temática em comum de “apocalipse zumbi”, o ponto de encontro é mesmo a ênfase na força do enredo. Sim, ele segue alguns clichês e até imita a fórmula de homem mais velho protegendo a menina indefesa, que também acaba assumindo um papel central na trama, mas The Last of Us vai muito além. Os 20 primeiros minutos, passando pelos momentos iniciais da epidemia, já mostram a intensidade emocional do jogo, quebrando o paradigma de histórias felizes logo de cara e revelando a realidade brutal do universo do jogo. Você controla Joel, que trabalha como uma espécie de contrabandista para garantir sua sobrevivência neste mundo caótico, que recebe como trabalho escoltar a jovem Ellie até a central de uma organização, os Vagalumes (Fireflies). E apesar das criaturas que incitam o medo e provocam uma insegurança constante, o inimigo principal continua a ser o próprio ser humano, colocando em foco a dificuldade das relações humanas em momentos de caos.

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Aliás, antes que alguém pergunte “Ellie ou Clementine?”, já respondo Clementine. A inocência dela é mais fofinha. Ainda assim, a Ellie é um personagem marcante, que evolui com o desenrolar da história de forma a conquistar, gradativamente, a admiração dos jogadores. Joel, por outro lado, é um personagem fácil de se gostar. Lembrando heróis de filmes de ação velhos de guerra, ele é frio, durão e rabugento, mas que esconde por trás um passado sombrio e a busca por um motivo para continuar vivendo.

E, de fato, continuar vivendo não é uma tarefa fácil, sendo um dos grandes desafios no universo de The Last of Us. Sem se propor a ser o seu survival horror típico, cheio de sustos e cenas grotescas, o jogo dá grande ênfase no quesito “sobrevivência”, lembrando aspectos marcantes de Resident Evil. Dos primeiros jogos da série, diga-se de passagem, e não esses últimos que… bem, deixa pra lá. O fato é que você não tem um monte de munição pra sair atirando a rodo. A munição é escassa, e os inimigos, quando partem pra cima, vêm com tudo. Portanto, a tensão do jogo consiste em planejar bem como balancear o uso de itens para sobreviver à area seguinte, seja matando um inimigo de cada vez, passando discretamente sem chamar atenção, ou ainda adotando a estratégia nada desonrosa (mas nem sempre possível) de sair correndo sem olhar para trás.

Mas fugir sempre não é ideal, já que o jogo encoraja a exploração dos cenários, com muita munição e itens escondidos em gavetas, armários, ou em cima de outros objetos. Além disso, é possível também criar o seu equipamento a partir do que você encontra. Se estiver com pouca vida, basta reunir um pano com álcool para criar um kit de primeiros-socorros. Ou então, utilize esses mesmos itens para criar um coquetel molotov e bote fogo em seus inimigos. Nada como um pouco de criatividade. Você ainda pode acumular peças que podem ser usadas para melhorar suas armas, ou pílulas para melhorar seus atributos, como melhor escuta, barra de vida maior, etc, evoluindo o seu personagem com o progredir da história.

Se a munição é escassa e partir para o confronto aberto não é das melhores opções, a discrição passa a ser então a melhor estratégia. Assim, The Last of Us favorece uma forma de combate que lembra muito Metal Gear Solid, percorrendo silenciosamente o cenário enquanto agachado, se escondendo atrás de objetos e, sempre que possível, atacando seus inimigos por trás com o velho e tradicional estrangulamento. Sem falar na possibilidade de usar o cenário e seus objetos a seu favor, jogando garrafas e tijolos para fazer barulho e causar distração. Cada inimigo sugere estratégias diferentes: os humanos e os runners, pessoas que foram infectadas mais recentemente, favorecem o combate mano a mano, embora com discrição. Se algum deles perceber a sua presença, chamará a atenção dos outros, o que nunca é uma boa ideia. Enquanto os inimigos humanos procuram te cercar, os runners partirão em bando para cima de você. Já os clickers, infectados há mais tempo, são criaturas mais perigosas que não possuem mais a visão. Portanto, toda a cautela é necessária para que eles não possam te ouvir, pois, uma vez detectada a sua presença, vão correr atrás de você, exigindo o uso de armas de fogo, já que basta um te pegar para morrer na hora.

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Clickers, malditos clickers…

A mecânica de combate que enseja a discrição é interessante, mas é importante notar que o jogo tende a não seguir as suas próprias regras. A inteligência artificial dos inimigos não é das mais altas, e acaba sendo muito fácil surpreendê-los. Mesmo quando percebem a sua presença, o comportamento deles ainda não é dos mais brilhantes. Além disso, só você chama a atenção dos inimigos: os NPCs, seja a Ellie ou qualquer outro, podem passar na frente deles acidentalmente que eles vão fingir que não viram. Quanto aos clickers, é estranho que criaturas cegas, após ouvirem um barulho seu, consigam rastreá-lo mesmo depois de correr para longe e parar de fazer barulho. Ou seja, The Last of Us cria uma mecânica interessante, mas que não respeita as próprias regras que impõe. Talvez a ideia do jogo tenha sido ousada demais, e o hardware não conseguiu corresponder, então seria interessante ver o que poderá ser feito de similar na próxima geração de consoles.

Tirando as claras inspirações que The Last of Us tira de outros jogos, é importante citar outros aspectos notáveis. Toda história bem contada em belos cenários precisa de uma trilha sonora para criar uma atmosfera especial. Assim, os produtores não mediram esforços e chamaram ninguém menos que o argentino Gustavo Santaolalla, vencedor de 2 Oscars de melhor trilha sonora original, para compor a trilha do jogo. Seguindo uma abordagem minimalista, muitas vezes recorrrendo apenas ao som de seu violão, Santaolalla somente pontua a história com suas músicas nos momentos mais marcantes, despertando emoções na hora certa, e deixando o silêncio como trilha quando o momento pede reflexão e contemplação. Incluindo ainda o clássico do country de Hank Williams, “Alone and Forsaken”, a trilha sonora de The Last of Us é digna das grandes ambições do jogo, e fornece o clima adequado que uma história desse tamanho exige.

Além disso, ressalta-se a qualidade da atuação de voz dos personagens, com destaque para os atores Troy Baker e Ashley Johnson, que fazem os protagonistas Joel e Ellie, respectivamente. Adotando o tom certo em cada cena, a atuação dos dois impressiona, chegando a ser memorável no seu nível de entrega ao explorar os momentos mais intensos e emocionantes da história. A dublagem para a versão nacional não fica atrás, com os ótimos trabalhos de Luiz Carlos Persy e Vitória Ficher, que de fato é um trabalho digno de ser reconhecido.

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Por fim, é importante citar o modo multiplayer. Mais uma vez, ele lembra bastante o mesmo modo de Uncharted, com a introdução de algumas novidades. Você cai em um de dois grupos, os hunters ou os Fireflies, que disputam território em busca de suprimentos, levando ao crescimento de suas facções. Além disso, você recebe missões periodicamente que vão além do típico “mate número x de inimigos numa sessão”, e pode incluir curar um número x de aliados, matar um número x de inimigos com headshot, com estrangulamento, etc. Caso sejam cumpridas, você recebe bônus adicionais, e mais sobreviventes no seu grupo. Um último aspecto é a integração com o Facebook, o que permite que os membros de sua facção sejam os seus amigos do Facebook. Na prática, não muda nada, mas serve pela diversão de incluir o nome de seus amigos como membros da sua facção de sobreviventes.

Dizem que, na arte, nada se cria, tudo se copia. E, de fato, The Last of Us não tenta reinventar a roda, o que é uma coisa boa. Sem negar as claras inspirações que recebeu, o jogo busca reunir elementos bem-sucedidos em outras séries (o que não é simples, nem fácil) e o resultado é um enorme êxito. The Last of Us reforça o retorno às grandes narrativas singleplayer, e podendo levar até 20 horas para ser terminado (bastante, em comparação a outros jogos de aventura), ele vale cada centavo. E se falta inovação em muitos aspectos marcantes do jogo, o desenrolar da história é surpreendente, com um final fora do convencional que vai deixar você dias e dias refletindo a respeito.

É difícil prever o legado que The Last of Us deixará. Ele lembra clássicos memoráveis do cinema que abriram um paradigma para obras futuras, e este parece ser o seu caminho mais certo. Marcando o fim desta geração de consoles, este jogaço da Naughty Dog deve servir de inspiração para a próxima, mostrando que boas histórias também estão na moda nos videogames. The Last of Us pode não ser perfeito e seguir sem pudor alguns clichês, mas é um franco favorito a jogo do ano, um claro candidato a um dos melhores desta geração e, se não puder ser chamado de obra-prima, chega bem próximo. Faça um favor a si mesmo e jogue esta maravilha. Vai ser difícil se arrepender.

 

Trailer de The Last of Us

 

Entusiasta de jogos eletrônicos desde suas primeiras lembranças, acredita que, mais do que produtos de entretenimento, games são uma forma de arte. Fã de jogos de estratégia e de aventura, além dos clássicos, quando não está trabalhando como tradutor, estudando ou debatendo os problemas mundiais, tenta expandir a sua lista de RPGs terminados, seu gênero favorito.

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